“Sou cineasta por acidente”, diz o mairiense Aly Muritiba

Quinta-feira, dia 17 de setembro, parte dos principais realizadores do cinema nacional se refresca do sol brasiliense na piscina do Kubitschek Plaza. O cineasta Aly Muritiba está na academia do hotel. “Alguns fumam, outros gostam de beber. Eu preciso disso aqui...”, diz, fazendo flexões de braço com ímpeto de lutador que tenta bater o peso na véspera do combate.

Ele tinha chegado a Brasília horas antes, no mesmo dia em que o curta-metragem “Tarântula”, co-dirigido com Marja Calafange, seria exibido no mais tradicional festival de cinema do país. O evento apresentaria também o projeto mais ambicioso de sua carreira, o longa-metragem “Para Minha Amada Morta”.

Na véspera, Muritiba tinha acordado em Veneza, na Itália, onde seu filme também foi exibido. Entre Veneza e Brasília, dormiu uma noite em casa com a mulher e os dois filhos no bairro do Sítio Cercado, zona sul de Curitiba. Ele vive no mais agitado bairro da periferia curitibana desde que conseguiu se estabelecer por aqui em 2005.

Morar ali é hoje uma “opção política”. “Nasci na periferia do mundo, sempre morei e faço questão de criar meus filhos lá. Eles vão conviver com o rico e com o pobre, com o preto e o branco, com gente do país inteiro”, diz.

Quem o vê falar de seu cinema com humor e segurança, custa a crer nas voltas que a vida do baiano Alysson da Silva Muritiba deu em 36 anos. Nasceu na pequena Mairi, cidade com menos de 20 mil habitantes no centro-oeste baiano. O pai era dono de uma fábrica de “Tubaína” e Muritiba, como os dois irmãos, trabalhava no envase das gasosas. “Tenho cicatrizes por todo o corpo. As garrafas que explodiam”, diz.

Metrô
A casa da família Muritiba ficava ao lado do terreno baldio onde paravam os parques, circos e os cinemas de lona itinerantes da região. Foi quando teve seu primeiro contato com filmes. “Vi muito faroeste, filmes do Bruce Lee e filmes pornô”, lembra.

Aos 17 anos, Mairi ficou pequena e ele foi para São Paulo, morar na casa de uma tia no bairro de Perus. Se virou como atendente de farmácia e passou em seu primeiro concurso público: bilheteiro do metrô.

Nessa época, lembra de ter visto seu primeiro filme em um cinema de verdade: o blockbuster “Jurassic Park” (1993), de Steven Spielberg. “Eu assisti a poucos filmes. Tenho um déficit muito grande em relação a colegas que eram cinéfilos desde que nasceram”, diz.
Como bilheteiro do metrô, foram cinco anos, o tempo em que pode custear um curso pré-vestibular e os quatro anos de graduação em História na Universidade de São Paulo. No último desses quatro anos, o destino deu um golpe definitivo: ele, tenor, e Ana Lucia, contralto, se apaixonaram no coral da USP. Um romance de cinema: o bilheteiro com a pós-doutoranda.

Sistema
O amor os trouxe a Curitiba e, como é preciso ganhar a vida, Muritiba apostou outra vez em concursos públicos. Passou em dois: oficial bombeiro e agente penitenciário. Chegou a ser salva-vidas em Caiobá, mas o salário baixo (R$735) o empurrou para o Departamento Penitenciário (Depen), que lhe pagava o triplo.

No “sistema”, teve contato com a matéria-prima de seus primeiros filmes, a “trilogia do cárcere”, composta pelos curtas “A Fábrica” (2011) e “O Pátio” (2013) e o longa “A Gente” (2013) que lhe deram grande visibilidade internacional.

Algo que ele ainda nem imaginava enquanto vivia a dupla jornada de agente e professor de História. “Tomava banho na cadeia, botava roupa de professor e ia dar aula para os filhos da elite curitibana”, diz.

Esgotado pela rotina da cadeia, ouviu de um colega que o estatuto do servidor público dizia que quem estivesse cursando faculdade pública, deveria ser liberado das horas equivalentes dos longos turnos da cadeia, em geral de 12 horas. Muritiba foi atrás de um curso vespertino, viu a chance no vestibular da Escola Superior Sul-Americana de Cinema (Cine TV PR).

O resto é uma história com mais de cem prêmios nacionais e internacionais, coroados com o prêmio de melhor direção e melhor filme da crítica no Festival de Brasília na última terça-feira (22).

“Sou um cineasta por acidente”, diz, “mas tudo que eu ponho na cabeça que quero fazer, faço. E, se você estiver no meu caminho, me dê licença.”

Simples assim? Claro que não. Logo no primeiro ano na faculdade de cinema, em 2007, fundou a produtora Grafo e decidiu que, se o caminho era o cinema, teria de se destacar pelo trabalho. “Dizem que baiano é preguiçoso. Não os do sertão. Lá, se você não for ligeiro, queima o pé.” .Fonte: gazetadopovo.com.br

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